O filme Beach rats (Ratos de praia, 2017) começa com o jovem Frankie (Harris Dickinson) se fotografando no espelho, ainda envergonhado conversando com homens mais velhos pela internet, ele se encoraja e finalmente pede para ver um deles nu. Depois, vêm os fogos de artifício. Uma garota, que será sua futura namorada, olha para ele e comenta o quanto aquele brilho no céu é romântico. Frankie discorda e a moça então questiona: “qual é sua ideia de romance?”. Ele se silencia.
Os fogos serão uma importante metáfora imagética ao longo do filme, sendo retrados também na tela do computador do rapaz. Na última cena do filme Frankie retorna para esse mesmo cenário, promovendo a percepção de que o questionamento feito a ele ainda permanece sem resposta. Ele ainda busca entender seus desejos sexuais. Os fogos de artifício servem para metaforizar a adolescência e juventude, mas fora da percepção típica do senso comum. Para além de uma época em que os desejos estão à flor da pele e em que se vive intensamente, esse período da vida é barulhento e problemático.
Nesse sentido, ao negar a beleza dos fogos de artifício e, por consequência, da juventude, Frankie conduz quem assiste ao filme a traçar um novo olhar sobre essa fase da vida. As dúvidas sobre sua sexualidade somam-se aos problemas familiares, pois Frankie enfrenta no decorrer do longa o câncer terminal do pai e sua morte. Tudo é construído com suavidade, mantendo assim a atenção e curiosidade do telespectador. É impossível não se sensibilizar com a atuação brilhante de Harris Dickinson.
O sexo casual com homens mais velhos na calada da noite, dentro de matagais ou num quarto qualquer, vão se somando ao longo do filme. Em um desses encontros, estando um pouco mais confortável, Frankie revela as dúvidas sobre sua sexualidade. O homem, que mais a frente o protagonista irá reencontrar trabalhando como barman, explica que os gays se caracterizam por ter um dedo indicador geralmente maior que o anelar. É um momento de riso para o telespectador que se sente tentado a, assim como Frankie, também consultar suas mãos.
Brincadeiras à parte, o conflito emocional do jovem permanece. Sua tentativa de estabelecer uma relação heterossexual ocorre concomitantemente aos encontros noturnos. Trata-se de um relacionamento estabelecido com a garota que ele conheceu durante os fogos de artifício. A relação caminha ao longo da narrativa cheia de desencontros, Frankie ironiza e depois aceita classificá-la como “bonita”. Numa das cenas mais memoráveis da película, Frankie questiona se ela já se relacionou com mulheres. A garota admite que sim, ele pergunta o que ela acha então de uma relação entre homens. A resposta não poderia ser mais desconcertante: “Duas garotas podem ficar e é sexy, dois caras é gay”. O preconceito vindo da própria boca feminina torna-se ainda mais forte. A garota necessita de uma “casa reformada”, abandona Frankie porque não está disposta a lidar com os conflitos vivenciados por ele.
Em outro importante núcleo vemos a relação dele com seus três amigos também “ratos de praia”. Geralmente andam juntos, fazendo pequenos furtos, usando drogas ou divertindo-se batendo uma bola na parede. Esta última atividade produz uma interessante imagem simbólica para as idas e vindas emocionais do protagonista. Ao lado dos garotos, Frankie não sente abertura para revelar seus desejos mais profundos. No seio da família, ele tem que conviver com a mãe ainda alterada em face da morte do marido e ver, como contraponto a suas dúvidas, a avançada relação heterossexual vivida por sua irmã mais nova.
Segue o impasse. Como conciliar mundos e desejos tão distintos? Por meio de uma meia verdade, a impossibilidade de lidar com tudo é revelada. Frankie conta aos amigos sobre os encontros com homens mais velhos, mas se limita a dizer que tudo não passa de uma simples forma encontrada para conseguir drogas. Ele é conduzido pelas circunstâncias a marcar um encontro na beira da praia para que todos se deem bem. Os amigos de Frankie querem drogas, perseguem o rapaz que veio encontrá-lo até entrar no mar, revistam seus bolsos, a droga é encontrada no chão e eles finalizam tudo com um soco.
É o momento de conflito ainda mais forte do protagonista que se senta no chão angustiado. A narrativa deixa em aberto várias possibilidades de catarse final, de grande descoberta ou transformação. Uma revelação de seus desejos aos amigos ou mesmo a mãe? A morte do rapaz perseguido dentro do mar? Nada disso se confirma e tudo é cuidadosamente abandonado. O longa apenas segue com Frankie encarando o reflexo do seu próprio rosto dentro do metrô, voltando ao cenário dos fogos ainda em busca de respostas. Ele continua envolvido no mesmo dilema inicial, ainda busca sua identidade.
Beach rats é um típico filme indie despretensioso, que se esmera em não querer impactar ou propor um desenlace surpreendente. A diretora Eliza Hittman venceu na sua categoria no festival de Sundance. Os planos corporais e também os mais amplos são bem trabalhados, trata-se de um filme sensorial, pois podemos ouvir com prazer os barulhos ao redor (seja o flash da câmera do celular, as ondas do mar ou mesmo os gritos dos vizinhos). A trilha sonora dá cadência as sensações. Ao final o envolvimento é completo, nos sentimos absorvidos pela perspectiva de Frankie, voltamos aos fogos e voltamos às dúvidas. Frankie não assume nem nega uma orientação sexual, ao retornar ao cenário do início da narrativa contemplamos os fogos e relembramos a pergunta: “qual sua ideia de romance?”.
Propositalmente o filme nega-se a responder. Por que a vida é assim. Na maioria das vezes não há grandes descobertas nem mesmo revelações. Permanecemos presos nos mesmos conflitos, provamos diferentes sensações, mas algo ainda nos atordoa e por isso continuamos impossibilitados de discernir. A maioria das experiências não resolvem nossas dúvidas, apenas acentuam a dureza envolvida nas escolhas. Resta olhar para céu e para nós mesmos, contemplando a beleza e a dureza das descobertas feitas ao longo de nossa formação, pois a vida – dentro e fora dos filmes – segue.
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