Lindqvist é um autor sueco que se tornou bastante conhecido com a publicação da novela Let the right one in (Deixa ela entrar). A história trata da vida de um garoto solitário e vítima de bullying chamado Oskar. Ele vive na antiga Blackeberg (Suécia) e estabele uma relação de amizade (ou seria amor?) com Eli, sua nova vizinha.
Eli é uma vampira e, portanto, precisa de sangue para sobreviver. Ao poucos as duas crianças travam uma forte relação e passam a ajudar um ao outro. O livro de Lindqvist foi publicado no Brasil pela Editora Globo e também ganhou uma adaptação para o cinema muito bem produzida por Tomas Alfredson. Esse filme contou com as atuações exuberantes dos atores suecos Kare Hedebrant e Lina Leandersson.
Depois de todo o sucesso e reconhecimento mundial, Lindqvist escreveu um conto que soluciona a ambiguidade final do livro. Em Deixa ela entrar, Oskar e Eli fogem no final após o massacre da piscina. Lindqvist escreveu o conto Let the old dreams die (Deixe os velhos sonhos morrerem) justamente pra explicar melhor o que aconteceu após a fuga dos garotos. Tive a oportunidade de ler o conto em sua versão digital, ele está à venda na Amazon e na Livraria Cultura, mas apenas a sua versão em inglês. Espero que alguma editora brasileira traduza e o publique em breve.
Enquanto isso não acontece, por ser de difícil acesso ao público brasileiro, passarei a fazer agora um breve resumo com as revelações presentes no conto. Portanto, se você não gosta de spoilers, recomendo que não continue a leitura. Dito isso, vamos agora a Deixe os velhos sonhos morrerem! A narrativa começa nos seguintes termos: “Eu quero te contar a história de um grande amor”.
Como se vê pelo título do conto, Lindqvist utiliza o segundo verso de uma canção de Morrissey para dar continuidade à história. A narrativa é contada por um antigo morador de Blackeberg, ele é funcionário da estação de metrô, tem uma personalidade estoica e é muito apaixonado por leitura. Sua vida muda um pouco quando ele conhece o casal Karin e Stefan. Eles se tornam vizinhos do narrador e chamam sua atenção por estarem costumeiramente andando de mãos dadas.
Aos poucos, esse narrador estabelece uma amizade com os dois e começa a visitá-los. Descobre então que Karin e Stefan se conheceram durante a investigação do caso envolvendo Oskar Eriksson. Karin é investigadora policial e Stefan, aparentemente, também trabalhava na estação de trem, sendo que ele foi à última pessoa a ver Oskar.
Stefan e Karin se conheceram enquanto ele relatava num interrogatório seu encontro com Oskar. Stefan estava num pequeno intervalo do trabalho quando viu o garoto com uma menina de cabelos pretos. Os dois estavam sentados próximos a uma árvore, nos arredores da estação de trem, e estavam de mãos dadas. Ambos tinham cortado suas mãos e estavam fazendo uma espécie de “pacto de sangue”. Quem leu ou assistiu Deixa ela entrar sabe que Oskar descobre que Eli é vampira justamente numa situação parecida com essa, mas naquele caso o pacto não havia sido feito, pois Eli começou a beber o sangue de Oskar que caiu no chão e pediu que ele fugisse.
Mesmo Stefan narrando detalhadamente esse encontro para sua futura esposa, ela não compreende bem. Por que as crianças estavam misturando sangue? O que estavam fazendo juntas? Foi necessário então que Stefan segurasse a mão de Karin e repetisse o mesmo gesto que as crianças fizeram. Assim, o conto mostra que o amor entre Stefan e Karin nasce, ainda que indiretamente, a partir do pacto feito entre Oskar e Eli.
Mesmo após a aposentadoria, quando Stefan e Karin vão morar numa casa de praia, a antiga investigadora não consegue esquecer o caso de Oskar Eriksson. Ela permanece ligando com frequência para o Departamento de Polícia a fim de saber se surgiu alguma novidade. Nessa fase, a saúde de Stefan e Karin torna-se bastante deteriorada. Karin melhora após uma cirurgia cardíaca, mas o câncer pancreático de Stefan o deixa com apenas mais alguns meses de vida.
O narrador da história avisa que continuou indo visitá-los na casa de verão e que sentiu-se bastante sensibilizado com a relação amorosa dos dois. Até que, num certo dia, chega para ele um cartão de Estefan e Karin com as seguintes palavras: “Deixe os velhos sonhos morrerem. Estamos sonhando novos. Obrigado por tudo, querido amigo”.
O narrador fica bastante perturbado e não entende porque já no fim da vida Stefan e Karin abandonaram a casa de verão e saíram em viagem. Ele vai até a casa, ainda um pouco temeroso de encontrá-los mortos ou algo nesse sentido. Mas o que ele encontra em uma sala que Karin usava para investigar o caso de Oskar Eriksson é uma fotografia. Ele observa a foto tirada de uma família num local bastante escuro. Pega uma lupa para observar melhor e vê um pequeno vulto num canto da foto. O flash da câmera havia registrado, por acaso, a passagem de dois jovens: Oskar Eriksson e uma menina de cabelos pretos, no caso, Eli.
O narrador percebe que Oskar está magro e tem um cabelo diferente. A foto parece ter sido tirada poucos dias depois do desaparecimento. Mas quando ele observa no verso da foto está escrito: “Barcelona, setembro de 2008”. Um pequeno bilhete junto à foto e um iPhone na mão do pai da família confirmam: a fotografia havia sido tirada fazia apenas um mês.
Como pode Oskar estar com a mesma fisionomia tantos anos depois? Obviamente, ele se tornou um vampiro após o pacto que fez com Eli. Os dois de mãos dadas compartilhando o mesmo sangue e o mesmo caminho. Stefan e Karin, mesmo velhos e doentes, haviam ido para Barcelona procurar os dois. Afinal, foi por causa deles que o amor entre o casal começou. O narrador termina falando de Stefan e Karin e do seu desaparecimento: “Já se passaram dois anos. Eu não soube se eles estão vivos e nem sei se estão mortos. Deixe os velhos sonhos morrerem. Estamos sonhando novos. Espero que eles encontrem o que estavam procurando”.
Pessoalmente, achei o conto perfeito, um final (ou seria um recomeço?) digno. Como sempre Lindqvist investe nas referências do mundo pop e constrói um enredo que coloca o amor acima de tudo. A sua opção de dar sequência a sua novela vampiresca por meio de personagens periféricos foi brilhante. Se em Deixa ela entrar não sabemos se Eli amava Oskar ou estava apenas à procura de um novo protetor, em Deixe os velhos sonhos morrerem tudo fica mais claro. O que Oskar e Eli sentem um pelo outro é mais forte. O instinto assassino e apaixonado dos dois se completa, sendo que eles terão a eternidade inteira para sofrer, amar e lutar. Com um detalhe importante: sempre juntos.
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