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Eduardo Giannetti: nada em excesso, inclusive na moderação

Vejamos o que escreve Eduardo Giannetti nesse trecho de Trópicos utópicos para que depois possamos comentar:

"Nada em excesso. – A inscrição no templo de Apolo em Delfos, centro religioso e geográfico do mundo grego, abriga uma peculiar instabilidade lógica. Submeta o 'nada em excesso' à sua própria imagem no espelho: a injunção moduladora do princípio da moderação também se aplica reflexivamente a si mesma? É possível exceder-se e ir longe demais no intento de nunca ir demasiado longe; de nunca ultrapassar a certa e sóbria medida? É possível, enfim, pecar por excesso de moderação? Ao mirar-se no espelho, a força moduladora do preceito délfico se vê compelida a baixar o tom e moderar a si mesma: nada em excesso, inclusive na moderação. – Mas isso não é tudo. Ao argumento lógico podemos acrescentar um complemento ético. Como saber até onde ir? Como descobrir a justa medida? Se nunca testarmos os limites, jamais teremos condições de determiná-los, visto que só aqueles que ousam e se arriscam a ir longe demais são capazes de chegar a saber quão longe se pode e, sobretudo, se deve ir. 'A estrada dos excessos', reza um dos provérbios do inferno de William Blake, 'leva ao palácio da sabedoria'. A subversão dionisíaca, quem diria, pulsa no âmago da razão apolínea."

Foi na semana passada que comecei a ler Trópicos utópicos, de Eduardo Giannetti. Está sendo uma leitura prazerosa. Em certo momento, o autor faz essa interessante reflexão que, a meu sentir, fala um pouco sobre a dificuldade de encontramos um equilíbrio em nossas vidas. Desde que tomei consciência mínima da realidade conflituosa que nos cerca, busco sempre retirar os excessos e exageros da minha fala e da minha ação. Tento analisar as coisas com a máxima objetividade, não se deixando levar pelos devaneios sentimentais ou pela retórica vazia. Nesse trecho reproduzido acima, Giannetti apresenta uma ideia instigante: é possível exagerar também no excesso de moderação. Dessa forma, quem peca por excesso de moderação não é muito diferente de quem exagera na tomada de posições.

Sua fala lembrou-me que a busca por uma suposta neutralidade também pode conter um viés dogmático. Explicando melhor por meio de um exemplo sempre atual: quem defende cegamente governos de direita ou de esquerda não é muito diferente daqueles que pregam a moderação a todo custo, evitando defender mais enfaticamente um dos lados. A nossa busca por um equilíbrio ético e moral requer que testemos os limites e experimentemos os excessos.

Ser moderado não é permanecer estático em todas as discussões, sempre guardando um mesmo ponto de vista generalista. Ser moderado é (talvez) ter a capacidade de mudar, de não apenas evitar extremos colocando-se no centro, mas também deslocar-se criticamente para um dos lados a cada discussão. Enfim, a real moderação requer que saibamos que sempre estaremos em desequilíbrio, corrigindo rotas que há muito já se afastaram do seu rumo. Não reconhecer isso pode ser visto como um caso grave de excesso.

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