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Call me by your name: um questionamento sobre o amor

O cinema com temática homossexual vem crescendo nos últimos anos. Prova disso é que na última edição do Oscar tivemos Moonlight escolhido como melhor filme. Seguindo esse ritmo, nessa nova temporada do cinema, filmes com essa temática voltaram a ganhar força. Beach rats venceu melhor direção em Sundance e, agora, Call me by your name (Me chame pelo seu nome) vem conquistando fãs pelo mundo e sendo bem cotado nos festivais.

O filme do diretor Luca Guadagnino é inspirado em um livro de André Aciman. A história, que se passa nos anos 80, é ambientada no interior da Itália durante uma temporada de veraneio. Elio (Timothée Chalamet) é um jovem garoto que se apaixona pelo acadêmico Oliver (Armie Hammer). Situado numa bela paisagem e com uma trilha sonora muito sensível, o longa encanta não apenas pela ousadia de tematizar uma relação homoafetiva entre pessoas com idades tão dispares, mas também pela maneira provocante como o faz. Nesse particular, me refiro especialmente a duas sequências de tirar o fôlego: a cena do primeiro beijo com Oliver tentando se afastar e a inusitada utilidade dada por Elio a um pêssego.

No entanto, o filme está distante de atingir o mesmo grau de magistralidade ocorrido com Moonlight. Por isso, acho difícil ele conquistar o Oscar. Moonlight contava com uma dimensão social e psicológica bem mais profunda. Tínhamos um protagonista não apenas descobrindo a sua sexualidade, mas que também era negro e pobre. Tratava-se de uma tripla condição de preconceito que, somada a seus problemas familiares, dava ao drama uma enorme dimensão universal. A passagem do tempo para o personagem Chiron, que ocorre em três fases (infância, adolescência e maturidade), servia para reforçar isso, tornando ainda mais palpável e humano os sentimentos que o envolvem. Há também em Moonlight uma tensão constante que nos prende por cada segundo, seja nas cenas de agressão ou até mesmo nos diálogos mais emotivos. Isso faz com que o filme nunca pareça desinteressante ou repetitivo.

Já em Call me by your name à tensão não ocorre nessa mesma intensidade. Com mais tempo, o filme se perde e torna-se repetitivo na primeira hora. O jovem Elio, ao contrário do protagonista de Moonlight, pertence a uma família de alta cultura e por isso não precisa conviver com o preconceito ou com as agressões. Além disso, o acesso à literatura e a música dão a ele uma capacidade maior de compreensão da realidade, fazendo com que encare com mais naturalidade suas descobertas sexuais. Dessa forma, o drama se diluiu e há poucos problemas sociais a serem discutidos.

Porém, mesmo não dispondo de uma riqueza estética e política semelhante à Moonlight, Call me by your name está longe de ser um filme ruim. A maneira como a relação de Elio e Oliver é contada se revela muito coerente, sendo impossível não nos preocuparmos com o destino dos dois. Mesmo assim, a questão central no filme não é a diferença de idade entre os protagonistas ou mesmo uma investigação sobre o significado do primeiro amor. Subjacente a tudo isso, a película nos leva a questionar as vantagens e desvantagens de se amar outra pessoa. Em última instância, surge a seguinte questão: vale a pena sofrer por amor?

A partir daqui, abro espaço para alguns spoilers. Elio vive grandes momentos com Oliver, porém eles terminam se separando no final. Essa situação gera muito sofrimento para o garoto, mas é isso que dá uma dimensão universal a história. Afinal, quem nunca sofreu por amor? E mais: diante do momento mais crítico de sofrimento, quem nunca se perguntou se valeu a pena apaixonar-se? Na minha opinião, o filme acerta em cheio ao responder que sim. Podemos ver isso em pelo menos dois momentos: primeiramente, na genial conversa de Elio com o seu pai após toda a experiência vivida; e, depois, na última cena do filme, quando observamos a fisionomia do garoto mudar enquanto passam os créditos finais. 

Dessa forma, em  Call me by your name, o amor é retratado por meio de sua dimensão ambígua: ele nos rende experiências especiais e enriquecedoras, mas também nos leva a sofrer muito com a separação. Contudo, sofrer por um amor verdadeiro, em função de uma experiência profunda com o outro, vale muito a pena. São pouquíssimas as pessoas que tem a oportunidade de viver algo tão intenso e profundo como o que foi vivido por Elio e Oliver. Chamar-nos pelo nome de outro significa dizer que algo dele permanece em nós. Isso não é pouco. Portanto, tenhamos coragem e paguemos o preço de viver algo que nos marcará por toda a vida. Creio ser isso o que comunica a obra de Luca Guadagnino.

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