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I Origins: de quantos sentidos podemos ser feitos

Há uma cena no filme I Origins (O universo no olhar, 2014) que me produziu algumas reflexões sobre a relação entre ciência e religião. Sofi, uma jovem profundamente espiritualizada, conversa com seu namorado Ian, um cientista ateu que estuda os olhos, sobre as diferentes capacidades de percepção. Segue abaixo o diálogo na íntegra entre esse casal que protagoniza o filme:

Ian: O que foi? Eu sei que algo está errado, então...
Sofi: Você me deixa todo dia para torturar minhoquinhas?
Ian: Não estamos torturando minhocas, Sofi. Se te interessa, estamos modificando organismos. Nesse caso, são minhocas para terem visão.
Sofi: Pode fazer minhocas cegas enxergarem?
Ian: Mais ou menos. Podemos agora, talvez.
Sofi: Acha que é uma boa ideia?
Ian: Acha que é uma má ideia?
Sofi: Acho que é perigoso brincar de Deus.
Ian: Sofi, eu acredito em prova. Não há nenhuma prova que há algum espírito mágico... Que é invisível, vivendo acima de nós, bem em cima de nós.
Sofi: Quantos sentidos as minhocas têm?
Ian: Elas têm dois: Olfato e tato. Por quê?
Sofi: Então elas vivem sem habilidade de ver ou mesmo de conhecer luz, certo? A noção de luz para elas é inimaginável.
Ian: Isso.
Sofi: Mas nós humanos sabemos que a luz existe ao redor delas, bem acima delas. Elas não percebem, mas com uma pequena mutação, podem. Certo?
Ian: Correto.
Sofi: Então Doutor Olhos... Talvez alguns humanos, casos raros, sofreram mutações para terem outro sentido, um sentido espiritual. E podem perceber um mundo que está bem acima de nós, em todo lugar. Igual à luz nas minhocas.
Ian: Então você é uma mutante?
Sofi: E não sou a única.

Esse pequeno diálogo, juntamente com todo o enredo do filme, serve para revelar que o nosso desconhecimento acerca do mundo e da vida é muito maior do que nossa torpe pretensão por vezes tenta encobrir. De quantos sentidos podemos ser feitos? Essa pergunta é uma provocação que serve para não nos acomodarmos achando que já sabemos todas as respostas. O nosso mundo material pode muito bem não ser o único. Apurar e descobrir novos sentidos significa abrir nossa mente para explorar mundos até então inimagináveis. 

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