A casa de Alice (2007), enquanto metonímia do Brasil onde vivemos, está longe de ser uma maravilha. É essa a constatação a que chegamos ao assistir o primeiro longa-metragem de Chico Teixeira, diretor também de Ausência (2015). Durante cerca de 90 minutos conhecemos a vida da manicure Alice, de seu marido taxista Lindomar, dos seus filhos Lucas, Edinho e Júnior, além da avó materna Jacira.
Todos vivem numa mesma casa e demonstram uma crescente omissão em relação aos problemas dos outros. Enquanto cuida dos afazeres domésticos, Jacira percebe tudo que transcorre no seio familiar, mesmo tendo grave problema de visão. Desde a traição de Lindomar com uma garota da vizinhança, passando pela prostituição do filho mais velho, Lucas, até a latência sexual que se estabelece entre este e o filho mais novo, Júnior.
Lucas, contrariando o estereótipo de militar, se prostitui em relações homossexuais e, ao mesmo tempo, demonstra muita proximidade com o irmão mais novo. Ele tem ciúmes da mãe com o irmão caçula, por isso incentiva e aconselha na sua maturação moral e sexual. Júnior também gosta do mais velho, fato que podemos comprovar em uma cena onde ele veste a camisa do irmão. Entretanto, toda a licenciosidade entre eles é apenas sugerida e não podemos delimitar até onde vai essa cumplicidade.
Já o filho do meio, Edinho, preocupa-se com suas roupas e com o dinheiro para sobrevivência. É o preferido de Jacira, mas irá enganá-la logo que vê uma chance de se dar bem. Ele e Lucas constroem aos poucos uma relação de rivalidade que irá servir de estopim para que Alice finalmente exponha a todos os problemas da família. Ela e Lindomar vivem num relacionamento desgastado e não tem interesse mais um pelo outro. Entretanto, empenham-se em manter a aparência, especialmente Alice que, enquanto cuida das unhas de sua melhor cliente Carmem, une-se a ela para falar o quanto é desejada pelo marido. Em uma das cenas, Alice, que foi importunada sexualmente por um negro dentro do ônibus, informa a amiga tratar-se na verdade de um loiro de olhos azuis. Há uma desconcertante referência ao preconceito racial nesse momento.
Ademais, a partir do momento em que Alice conhece o marido de Carmem, Nilson, percebe trata-se de um antigo namorado seu, mas que agora dispõe de boa condição financeira. Não demora muito para que Alice enverede em uma relação extraconjugal. Porém, logo ela descobre a traição do marido e, ao mesmo tempo, é descoberta por sua amiga Carmem, sentindo-se traída e traidora ao mesmo tempo. Seu relacionamento com Nilson, entretanto, não é completamente impedido. Desorientada e aflita, Carmem acaba morrendo num semáforo, o que deixa o sinal livre para que Alice continue a nova relação.
Próximo ao desfecho do filme, Jacira é levada para um asilo após Alice dizer que vai ao Paraguai, sendo este um pretexto para passar alguns dias vivendo ao lado de Nilson. Talvez não tivesse nem mesmo a pretensão de voltar. Entretanto, o novo companheiro não comparece para a viagem, deixando Alice sozinha. Por sua vez, Jacira, agora no asilo, consegue finalmente falar com seu radialista preferido, o Carlinhos. É seu momento de maior alegria. O único que o telespectador terá direito nesse final, pois com Jacira e Alice fora, a casa termina abandonada.
Dessa forma, o filme de Chico Teixeira traça um retrato comum de parte considerável da sociedade brasileira. Aponta para uma vida de aparências que não corresponde a realidade e, além disso, mostra o egoísmo de cada ente familiar, disposto a tudo para que seus próprios interesses sejam conquistados. Como podemos ver no decorrer do longa-metragem, tudo não passa de uma farsa: a casa de Alice é na verdade de sua mãe Jacira e, enquanto Alice se ausenta dela por escolha, a verdadeira dona é ludibriada e expulsa de seu lugar de direito. Mentira, insensibilidade e sofrimento. Há como não ver o Brasil aí retratado?
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