Pular para o conteúdo principal

Elogio à infância: reflexão antiga

Bom mesmo era o tempo em que os Teletubbies tinham graça. Em que eu corria na chuva sem medo de raio ou resfriado. Em que a nudez era natural e aceitável. Em que eu não precisava me preocupar com calendário, calculadora e dinheiro. Não existiam compromissos, exceto com a diversão. Eu não precisava ficar marcando o tempo, contando os dias para as férias e aos poucos me acostumando a moldar minhas ações de acordo com as expectativas dos outros.

Bom mesmo era o tempo em que tudo era pureza, não havia ambição, falsidade ou inveja. Em que pensamentos impuros não perturbavam minha mente. Em que eu brincava, brigava, mas já no outro dia fazia as pazes. Em que a minha imaginação me levava sempre ao lugar certo. Em que eu não precisava ficar projetando meu futuro, mas apenas vivenciando intensamente meu presente.

Mas bom mesmo era se um dia tudo isso voltasse, acho que aproveitaria mais por saber que teria fim, pois na minha infância eu não pensava no fim. Hoje sei que a infância não é para sempre, a vida não é para sempre, pelo menos não a terrena. Quando criança não entendia bem a morte, hoje ainda não entendo, mas ao contrário daquela época sei que não tem volta, que é para sempre. E isso me dói, me faz pensar que todas nossas preocupações burocráticas de adulto são irrelevantes, que o melhor é ficar perto de quem e do que realmente é importante para nós, degustando cada momento e - assim como quando criança - nem ter a ideia de que tudo isso um dia terá seu fim. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Let the old dreams die: o conto de John Ajvide Lindqvist

Lindqvist é um autor sueco que se tornou bastante conhecido com a publicação da novela Let the right one in (Deixa ela entrar). A história trata da vida de um garoto solitário e vítima de bullying chamado Oskar. Ele vive na antiga Blackeberg (Suécia) e estabele uma relação de amizade (ou seria amor?) com Eli, sua nova vizinha.  Eli é uma vampira e, portanto, precisa de sangue para sobreviver. Ao poucos as duas crianças travam uma forte relação e passam a ajudar um ao outro. O livro de Lindqvist foi publicado no Brasil pela Editora Globo e também ganhou uma adaptação para o cinema muito bem produzida por Tomas Alfredson. Esse filme contou com as atuações exuberantes dos atores suecos Kare Hedebrant e Lina Leandersson. Depois de todo o sucesso e reconhecimento mundial, Lindqvist escreveu um conto que soluciona a ambiguidade final do livro. Em Deixa ela entrar , Oskar e Eli fogem no final após o massacre da piscina. Lindqvist escreveu o conto Let the old dreams die (Deixe ...

Beach rats: a verdade é despretensiosa

O filme Beach rats (Ratos de praia, 2017) começa com o jovem Frankie (Harris Dickinson) se fotografando no espelho, ainda envergonhado conversando com homens mais velhos pela internet, ele se encoraja e finalmente pede para ver um deles nu. Depois, vêm os fogos de artifício. Uma garota, que será sua futura namorada, olha para ele e comenta o quanto aquele brilho no céu é romântico. Frankie discorda e a moça então questiona: “qual é sua ideia de romance?”. Ele se silencia. Os fogos serão uma importante metáfora imagética ao longo do filme, sendo retrados também na tela do computador do rapaz. Na última cena do filme Frankie retorna para esse mesmo cenário, promovendo a percepção de que o questionamento feito a ele ainda permanece sem resposta. Ele ainda busca entender seus desejos sexuais. Os fogos de artifício servem para metaforizar a adolescência e juventude, mas fora da percepção típica do senso comum. Para além de uma época em que os desejos estão à flor da pele e em que se...

The Dreamers: o destino de Matthew no romance de Gilbert Adair

Entre os filmes que marcaram minha adolescência e juventude, The Dreamers (Os sonhadores, 2003) de Bernardo Bertolucci está na minha trilogia de favoritos, juntamente com Deixa ela entrar e O leitor . O filme conta a trajetória dos gêmios Théo e Isabelle e a forte relação estabelecida entre eles e o estudante estadunidense Matthew. Tudo ocorre após a cinemateca parisiense que frequentavam ser fechada. Com os pais ausentes, os irmãos e seu novo amigo trancam-se dentro de casa e, enquanto participam de um caprichoso jogo cinéfilo e sexual, permanecem completamente indiferentes a toda a agitação social que se produzia na França de 1968. Acordados com uma pedra que invade o grande apartamento, os jovens finalmente saem pra a rua e descobrem assustados tudo que estava ocorrendo. No filme, vemos ao final o casal de gêmios se separando de Matthew em meio à confusão, pois o jovem estrangeiro não deseja participar dos atos de violência. Esse enredo cinematográfico de The Dreamers é bas...