O núcleo duro do governo Bolsonaro é formado por pessoas com claras inclinações autoritárias. Pouco afeitos as regras democráticas e as suas instituições, o presidente, seus filhos, a ala olavista e até os liberais da economia estão sempre produzindo falas e ações que põe em dúvida a democracia como um valor máximo. Nas últimas semanas foi a vez do filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro, afirmar que, se a esquerda radicalizar, será preciso recorrer a instrumentos como o AI-5. O Ato Institucional mais duro e repressor da ditadura civil-militar também foi parar na boca do ministro da Economia Paulo Guedes, fazendo com que a sociedade se confrontasse novamente com o fantasma da ditadura.
Mas, afinal, o que leva membros do governo a citar constantemente mecanismos autoritários como o AI-5? Seria uma paranoia generalizada do governo, que se vê cercado diariamente por inimigos ameaçando tomar o poder? Ou seria um desejo incontido de, citando manifestações populares violentas, fazer com que elas ocorram e assim justificar medidas inconstitucionais? É difícil dizer com segurança. Alguns especialistas em ciência política afirmam que o bolsonarismo é guiado por forças irracionais e, portanto, pouco capazes de planejar uma ação mais concreta de ruptura democrática. Entretanto, outros analistas enxergam um certo método na ação do presidente e de seus seguidores, visando criar um clima de instabilidade que torne o ambiente político permeável a ações pró-ditadura.
O certo é que estamos diante de um cenário pouco previsível. Após implodir seu próprio partido, o PSL, o presidente Jair Bolsonaro busca formar uma nova sigla chamada Aliança pelo Brasil. No entanto, apenas metade dos parlamentares do PSL devem migrar para o novo partido em construção. Dessa forma, com seu poder de articulação dentro do Congresso ainda mais reduzido, o presidente deverá seguir reenviando medidas rejeitadas pelo Parlamento. Temas como o porte de arma e o excludente de ilicitude, mesmo após serem descartados pelos parlamentares, voltaram a ser propostos pelas mãos do presidente. O objetivo parece ser claro: o governo Bolsonaro busca mostrar aos eleitores mais convictos que o Parlamento é um entrave para a realização plena do projeto bolsonarista.
Nesse ambiente de tensão constante, vemos a democracia brasileira passando pelo seu maior teste desde a redemocratização. Seja por paranoia ou por desejo incontido, o fato é que estamos diante de um governo que está disposto a romper com a democracia para garantir a sua continuidade no poder. Diante desse cenário, o desafio da oposição é enorme. Um desafio para o qual o PT, ainda refém do protagonismo de Lula, parece não está preparado. Por isso, é preciso que outras forças de oposição e da sociedade civil se articulem de maneira mais inteligente para se contrapor aos arroubos autoritários do governo. O Brasil foi pródigo em manifestações populares nos últimos anos. Assim, ir às ruas para se manifestar contra os retrocessos sempre pode ser uma boa escolha tática. Já ficar em casa com medo de como o bolsonarismo irá manipular uma manifestação que descambe para a violência significa dizer, em última análise, que não vivemos mais num regime de democracia plena.
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