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Democracia na contemporaneidade: as nossas liberdades em perigo

Se por um lado, é na contemporaneidade que a democracia se tornou o regime político predominante no mundo, por outro, nessa mesma época os limites da democracia passaram a ser testados de uma forma perigosa. O curioso desse processo é que os instrumentos de liberdade conquistados graças ao regime democrático pleno vêm sendo utilizados para sabotar a própria democracia. Nesse sentido, buscarei apontar ao longo desta dissertação como a liberdade religiosa, a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa estão sendo subvertidas no mundo democrático contemporâneo e, mais especificamente, no Brasil. Ao final, buscarei traçar alguns caminhos possíveis para o enfrentamento desse enorme problema. 

Inicialmente, no que se refere a liberdade de culto religioso, sabemos que essa grande conquista da democracia permite o convívio de inúmeras denominações religiosas. Entretanto, atualmente essa conquista está sendo colocada em risco por algumas religiões majoritárias que ocupam os espaços de poder com o objetivo de impor suas crenças particulares a toda uma sociedade. No Congresso Nacional do Brasil, por exemplo, temos a chamada “Bancada da Bíblia”, grupo de parlamentares formados em sua maioria por membros de igrejas neopentecostais. Esses parlamentares fundamentalistas costumam ignorar a laicidade do Estado, perseguindo as religiões de matriz africana e interditando a possibilidade de acesso a direitos básicos por parte da comunidade LGBT. 

Já no que tange a liberdade de expressão, sabemos que essa conquista da democracia permite as pessoas manifestarem livremente sua opinião. Entretanto, o que se observa atualmente são pessoas usando a liberdade de expressão para manifestar o seu desejo de retorno a um regime antidemocrático. Recentemente, assistimos no Brasil alguns grupos irem as ruas pedindo intervenção militar e instauração do AI-5. E o mais grave de tudo: parlamentares eleitos democraticamente e até mesmo o presidente da república manifestaram apreço a esse tipo de pedido. Tal situação evidencia claramente os perigos de a democracia estar sendo destruída a partir de dentro dela mesma. 

Finalmente, no que diz respeito a liberdade de imprensa, sabemos que essa conquista da democracia permite a população ter acesso a informações corretas acerca da realidade política e social em que vivem. Atualmente, a imprensa vem sofrendo um processo de deslegitimação em virtude do avanço das chamadas fake news nas mídias sociais. A dificuldade de se combater essas mentiras é inegável, não só por causa de sua rápida disseminação, mas também porque o combate as fake news não pode se transformar num instrumento de censura da opinião divergente. No caso brasileiro, além das fake news, a imprensa profissional também sofre retaliações por meio do corte de verbas publicitárias e dos ataques constantes do atual presidente da república. 

Portanto, podemos concluir afirmando que a democracia como a conhecemos está sim em perigo, uma vez que governantes autoritários foram eleitos em diversos países do mundo. É o caso de Trump nos EUA, Orbán na Hungria e Bolsonaro no Brasil. Em face disso, a questão que se coloca atualmente é: como a democracia pode se proteger de indivíduos que usam seus mecanismos para destruí-la? Penso que a resposta para essa questão passa pela mobilização da sociedade civil e pela imposição de limites por parte dos poderes legislativos e judiciários. Nesse sentido, é preciso que todos os setores democráticos se unam na defesa de quem realmente manda na democracia. Esse ser não é o presidente ou o primeiro-ministro de plantão, mas sim a Constituição Federal.

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