Sinopse: Algumas coisas precisam ser ditas. A primeira delas é que Eli e Oskar são dois adolescentes e se amam. A segunda é que Eli é uma vampira e por isso precisa de sangue para sobreviver. Por último, ainda é preciso contar que Oskar fugiu de casa e agora acompanha Eli, ajudando-a a sobreviver. Essa história, portanto, versa sobre a vida dos dois adolescentes e discute até que ponto nós podemos ir para salvar a vida daqueles que amamos.
Não sei se posso dizer que Oskar e Eli são namorados. O que sei é que eles são bem mais que amigos. Você deve estar se perguntando como um humano pode nutrir sentimentos por uma vampira.
Bem, há pouco tempo Oskar vivia muito sozinho, sofria perseguições na escola e se sentia dividido entre o pai e a mãe que são separados. Até que um dia Eli veio morar num apartamento próximo ao de Oskar. A empatia foi grande entre os dois, começaram a se ver entre a neve e o frio do pátio. Algo mágico delineou-se entre eles.
Com o tempo, Oskar foi descobrindo que Eli não era uma garota normal. Ela lhe disse que tinha 12 já há algum tempo. Demorou para que ele entendesse o que isso significava. Até que um dia o homem que cuidava de Eli morreu e aos poucos Oskar se viu ajudando Eli a conseguir sangue humano. Ela, por sua vez, defendeu Oskar contra as armações de seus colegas de escola.
Atualmente, Eli e Oskar vivem juntos, vagando pelo mundo, apenas eles e a necessidade sempre urgente de sobreviver. Um se sente responsável pelo outro. Eu os acompanho desde que Oskar fugiu de casa e Eli cometeu um crime bárbaro para defender o amigo. A partir dessa data, eles adquiriram ainda mais intimidade, não precisam usar palavras ou o código Morse, pois a maior parte da comunicação entre eles se estabelece por meio do olhar.
Eu os encontrei pela última vez ontem e, como desde algum tempo acompanho seus passos, resolvi contar um pouco da trajetória deles. Num tempo de vidas tão precárias, me parece que a relação deles dois tem algo forte para nos ensinar. A partir de agora você vai conhecer um pouco de suas vidas, o modo como sobrevivem e se relacionam. Oskar precisa de Eli e ela necessita dele, entretanto a morte de outros parece ser a única forma de mantê-los vivos. Oskar sempre diz que Eli é a vida dele e não é preciso grande esforço para perceber que a recíproca também é verdadeira.
Dito isto, vejamos o que transcorreu com eles ontem. Os dois estavam escondidos em uma velha casa abandonada nos extremos de Estocolmo.
- Eu estou morrendo Oskar... Eu estou sempre morrendo.
Era a terceira vez naquele dia que Eli pronunciava aquelas palavras. Nas duas vezes anteriores, Oskar ainda tentou amenizar dizendo que quem tem 12 anos já há algum tempo não morre assim tão fácil. Agora, entretanto, não tinha coragem de repetir as palavras. Desde que fugira com Eli sabia que tinha de lutar por sua sobrevivência diariamente. Ela estava sem cor, sem vida. Ela precisa de sangue para não morrer.
Nas últimas duas vezes que isso havia ocorrido, Oskar conduziu algumas vítimas para os braços de Eli. Assustou-se ainda um pouco, como fizera da primeira vez. Eli transformava-se em outro ser quando atacava, seu corpo se retorcia, seu rosto se encrespava de raiva, suas mandíbulas cresciam e então Eli tornava-se algo animalesco. Lutava bravamente para consumir o sangue alheio. Depois, acalmava-se e voltava a ser a sua Eli, a doce e tranquila Eli.
Oskar se punia por ainda não ter braços fortes ao ponto de ajudar mais Eli em sua luta por sobrevivência. Queria ser mais forte, queria levar o sangue pronto e não apenas uma vítima para emboscada. Sua fraqueza cobrava caro. Há dias Eli evitava uma nova etapa de sua eterna busca por sangue, até que na noite anterior tornara-se impossível evitar. Entretanto, Oskar não conseguiu conduzir ninguém para os braços de Eli. E agora ela estava naquele chão sujo, naquele quarto imundo, revirando-se de dor.
Ele, fraco, não podia fazer nada. Será que não? Oskar não podia ficar parado enquanto sua Eli definhava. Apertou o punhal que mantinha na cintura e saiu para rua. A noite começava a descer sobre a fria Estocolmo.
Nas duas vezes anteriores, Oskar escolhera algumas pessoas que lhe pareciam malvadas, sem vida... Ele tentava evitar as crianças e os velhos. Mas agora não tinha tempo de escolher. Em uma pequena viela escura, ele viu um homem sentado ao lado de uma caixa de papelões:
- Ei, senhor, posso falar com você?
- Falar? Pode sim, todos nós podemos. O problema é que as palavras nunca dizem tudo que queremos. Elas são desculpas para aquilo que não fazemos.
- O senhor parece sábio...
Essas últimas palavras saíram da boca de Oskar enquanto ele observava um exemplar de Sobre a verdade e a mentira nas mãos daquele homem. Oskar admirou-se, pois não imaginaria um mendigo leitor de Nietzsche, provavelmente fora bem educado antes de ter enlouquecido e ganhado as ruas.
Aos poucos Oskar aproximou-se e naquele frio sueco seus lábios tremiam. O velho então disse:
- O que você quer?
- Quero vida senhor.
- Engraçado, por que queremos vida nesse mundo louco? A morte é uma benção, nos poupa de mais sofrimento. Querer vida é um ato egoísta.
- Quero vida, mas não para mim. Quero vida para alguém que amo muito. Isso não é egoísmo, é altruísmo.
- Não meu rapaz, é egoísmo do mesmo jeito. Você quer vida para outra pessoa porque a ama, porque não suportaria viver sem seu amor... Está pensando em si, é egoísmo do mesmo jeito.
"Isso é verdade", pensou Oskar. E seu rosto branco de garoto, que estava voltado para o chão observando um balde pertencente ao mendigo, rapidamente levantou-se. Ele estava com o punhal em mãos e sem pensar muito golpeou o pescoço do homem. O sangue começou a vazar, o velho debateu-se, mas Oskar segurou seu corpo e voltou a golpear com destreza o pescoço. Trouxe a cabeça do homem para seu colo e direcionou o balde para onde o sangue vazava.
Aos poucos aquele corpo foi ficando fraco e entregando-se por completo. Oskar mantinha-se resignado. Seu rosto puro e seus cabelos louros estavam maculados pelo sangue alheio. O sangue parou de sair e Oskar o transferiu para um recipiente fechado. Escondeu aquele corpo com alguns jornais e saiu correndo dali.
Logo que chegou a velha casa, com seu coração batendo forte frente ao primeiro assassinato concretizado, entregou a recompensa a Eli. Ela olhou para ele, mas não esperou explicação para aquilo. Engoliu o sangue rapidamente, passando a língua pelo recipiente a fim de que nada se perdesse.
Logo estava refeita, já tinha outro ar. Oskar estava sentado no sofá, quieto, irresoluto. Eli foi em direção a ele e seus cabelos pretos pousaram no colo de Oskar. O seu salvador, o seu herói.
Oskar acariciou os cabelos de Eli e dos seus lábios brotaram um leve sorriso. Seria um sorriso altruísta de quem havia cumprido sua missão? Ou seria o sorriso egoísta de quem mata por saber que não suportaria viver sem o seu amor?
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