Hoje pela manhã, pouco depois de ter acordado, ouvi um radialista local falando sobre a rebelião que havia ocorrido no maior presídio aqui do Rio Grande do Norte. Ele era taxativo em suas análises: falta leis mais rigorasas, falta polícia melhor equipada, há excesso de direitos humanos e regras obsoletas impedem que os pais coloquem seus filhos desde cedo para trabalhar. Por fim, concluiu de forma assertiva dizendo-se a favor dos militares no poder.
Confesso que pensei em mandar uma mensagem para ele, pedir que ao menos lesse um pouco de história. Especialmente dos recentes anos 60 e 70, quando os militares chegaram ao poder para "salvar" o país da violência e da corrupção, mas acabaram impondo uma ditadura autoritária que durou mais de duas décadas. Porém, desisti. Talvez ele, homem de bem, não compreendesse minhas honestas intenções.
Nisso, refleti sobre o que leva tantas pessoas a, assim como ele, pensarem dessa maneira. Falta de educação consistente? Medo irrefletido da violência? Crença ingênua em soluções totalizantes? Talvez um pouco de cada coisa.
Então, isso me fez lembrar de um filme que assisti ontem: chama-se A Vila (The Village, 2004). Depois que terminei de vê-lo fiquei um pouco decepcionado e com a impressão de não tê-lo apreendido completamente. Mas ao ouvir o radialista nesta manhã, comecei a estabelecer relações e chegar a boas interpretações.
A vila conta a história de um grupo de pessoas que, após passarem por eventos traumáticos em suas vidas (assassinatos de familiares, estupros, entre outros), resolveram fundar uma comunidade dentro de uma floresta e se isolar do mundo exterior.
Os fundadores não explicam aos seus filhos esse fato e inclusive criam mitos assustadores para que eles não tentem atravessar a floresta que leva ao mundo exterior. Infelizmente, o que talvez eles não esperassem, era que a violência não está apenas no outro mundo, na outra classe social ou na outra nação. Ela está dentro de nós. Por isso, não demorou muito para que um dos habitantes da vila tentasse matar um jovem chamado Lucious.
Como única solução para salvá-lo, mesmo cega, a apaixonada Ivy resolve atravessar a floresta e buscar remédios na cidade para que possa salvar seu amor. Durante o trajeto, ela descobre que o monstro da floresta era na verdade um morador da própria vila e, ao chegar na cidade, percebe que há ali pessoas boas capazes de lhe ajudar.
Fiquei pensando em todas essas revelações do filme e sua relação com o fortalecimento de opiniões segregacionistas semelhantes a do radialista que estive ouvindo. Ambas retratam um desejo de se isolar e uma tendência a enclausurar-se em sua própria vila ideológica. Não percebendo a possibilidade de existir algo bom no mundo fora dali.
Mesmo enxergando ainda permanecemos cegos. A maldade está dentro de cada um de nós, inclusive dos homens de bem. Ela não sumirá porque é muito mais fragmentada do que gostaríamos. Mesmo se nos isolarmos de tudo que abominamos e matarmos tudo o que nos assusta, ela não desaparecerá, apenas ganhará uma nova forma.
Por isso, talvez seja o momento para fecharmos os olhos e - na esperança de salvar quem amamos - irmos em direção aos monstros que estão nos presídios, nos governos, nas cidades grandes e nos países estrangeiros. Eles são muito parecidos conosco, por mais que evitemos enxergar. Eles também são humanos e não é impossível imaginar que podem nos oferecer ajuda.
Se ficarmos em nossa vila ideológica, isolados de tudo, iremos temporariamente sentirmo-nos seguros e protegidos. Mas com o tempo descobriremos que não há nada de diferente em nós. E mais: perceberemos que sem os outros, aqueles que estão fora de nós, é bem mais difícil de sobreviver.
Post scriptum: esse texto foi publicado no Facebook ainda em janeiro de 2017. Portanto, bem antes de bolsonarismo chegar ao poder. Mesmo assim, nos dias atuais, vejo ele como uma triste premonição do que iríamos viver.
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