Portas fechadas, todos saíram. Acordo nesse último dia do ano como se não fosse um dia especial, isto é, um dia que marca o encerramento de mais uma etapa nas nossas vidas. Mas a bem da verdade, se quisermos ser preciosistas (e eu adoro ser esse tipo de pessoa), hoje é mesmo um dia qualquer. Aliás, a noção de dia, mês, ano, virada de ano... É tudo uma mera convenção que criamos para suportar nossa curta estadia por aqui. Niilista, não? Eu já fui muito esse tipo de pessoa. Atualmente, bem menos. Ser do contra, aprofundar o olhar para tudo que se observa quase sempre soa pedante e se torna extremamente cansativo.
Mas isso não deveria vir ao caso, perdoem essa enorme digressão. O que vem ao caso é que acordei hoje pela manhã e, como estava sozinho, percebi que não havia motivo para me levantar. Ledo engano! Do lado de fora um morador recém-chegado estava ilhado. Trata-se de um gato que passou a compartilhar o espaço conosco há apenas duas semanas. Ele andou envolta da casa miando (quase grunhindo, eu diria, para soar melodramático). Depois de muito barulho, subiu sabe se lá Deus por onde e alcançou o telhado. Gritava em seu socorro, provavelmente achava que tinha sido abandonado. Eu permaneci na cama, imóvel, na esperança de que ele se cansasse.
Não se cansou. Pelo contrário, redobrou o esforço. Procurava uma brecha que o colocasse de volta a sua nova habitação. Penso agora que todo aquele alvoroço talvez faça sentido, pois ele é um gato jovem, mas que já experienciou a dor do abandono. Comovente, não? Enfim, fato é que ele conseguiu o que tanto queria. Fez-me levantar da cama às 7h15 da manhã em pleno 31 de dezembro de 2021. Quando abri a porta, me deparei com ele dentro da nossa calha. Tão logo viu o espaço recém-aberto, pulou para dentro da casa e desfez-se em gestos de alegria.
Parou por aí? Claro que não. Em seguida, veio em minha direção e começou a entrançar nas minhas pernas. Pulou em meu colo sem hesitação e depois ficou passeando em meio ao meu material de trabalho. Eu logo afastei-me, não queria papo com aquele indivíduo que havia me tirado o sagrado descanso matinal. Mas ele me perseguiu pela sala, foi junto comigo até a cozinha. Agora não apenas me afagava, mas também miava em agradecimento. Lembrei-me de Machado de Assis: “o gato não nos afaga, afaga-se em nós”. Não pude fazer mais nada sem ter seu amor felino me atrapalhando.
Tudo isso me levou a seguinte reflexão (que pode servir de moral da história para essa pequena crônica de Réveillon): excesso de carinho também pode incomodar, sabia? Eu sei que essa reflexão não é nada adequada para uma virada de ano, mas meu lado ranzinza nunca me abandona. Além do mais, dadas minhas experiências recentes, essa moral da história me pareceu muito oportuna. Será que você, caro leitor, também já foi sufocado pelo amor alheio?
Como sempre, escritos muito reflexivos! Parabéns!!!
ResponderExcluirExcesso de carinho, incomoda... de amor, sufoca!!!